quinta-feira, 28 de abril de 2005

Cada um na sua pele



Confesso que sempre me fez muita confusão o uso de peles de animais. De cada vez que observava alguém com uma pele de raposa ao pescoço, imaginava os filhotes a definharem de fome porque a sua progenitora jazia agora ao pescoço de alguém a esconder-lhe as rugas em vez de os estar a amamentar e proteger para uma nova geração de animais selvagens.
Usar peles foi um aspecto que nos salvou da extinção, nos invernos glaciares. Serviu também de moeda de troca por alimentos e de base ao artesanato. Mas, nos dias de hoje, NADA justifica o seu uso. Senão vejamos:
- As peles sintéticas, embora pouco ecológicas porque são derivados de petróleo, substituem as naturais, sendo muito mais baratas e igualmente quentes;
- Comprar peles naturais é alimentar um comércio cruel em que milhares de animais como raposas, guaxinins, martas, chinchilas, são mantidos em cativeiro, em péssimas condições de vida, sendo mortos por asfixia, electrocussão ou estrangulamento;
- Neste momento, até já peles de gato e cão estão no mercado europeu, provindas de países como a República Popular da China, onde o respeito pelos direitos humanos é uma miragem, que fará o respeito pelos animais.. Estes gatos e cães são enjaulados num espaço minúsculo de 1 m2, não se podendo mexer, até serem mortos à paulada (no caso dos cães para servirem de repasto nos restaurantes).
Há uns anos atrás deram-me um belíssimo casaco de antílope e, ignorante do historal de sofrimento por detrás dele, usei-o durante algum tempo, até descobrir a crueldade que trazia colada à minha pele. Ficou no guarda-vestidos muitos anos, sem uso, até que serviu de pasto às traças, sendo finalmente deitado ao lixo. Fez-me falta? Sim, era muito bonito e confortável. Mas a minha consciência era mais importante, bem como o exemplo que podia dar aos outros por não o usar. Sim, porque a cada um a sua pele!

O País das maravilhas

Todos tivemos a oportunidade de assistir pela televisão à libertação de três criminosos, acusados da morte violenta de um agente da polícia judiciária, simplesmente porque prescreveu o prazo para se re-analisar o processo pelo recurso interposto pela defesa. Indivíduos com culpabilidade comprovada, com pesadas penas atribuídas, acabaram por sair em liberdade porque o sistema penal português não teve tempo ou oportunidade de analisar o caso. E assim prescreve a culpa das pessoas, ficando todo um processo arquivado, tal como a vida de uma pessoa.
Mas que é isto?
Que país é este onde as pessoas são tratadas abaixo de lixo? Onde os agentes da autoridade não têm segurança a ponto de recearem entrar em bairros sociais degradados, para onde emigrantes ilegais e pessoas com baixo estatuto social são atiradas como entulho de uma sociedade que as não quer ver?
Sinceramente, não é este o país que desejo para os meus filhos. Um país onde criminosos saem em liberdade porque alguém se esqueceu de os julgar, onde dirigentes futebolísticos continuam a fazer o que querem porque a justiça deixa cair no vazio acusações de fraude, onde o sentimento de impunidade paira no ar, onde o crime, DEFINITIVAMENTE, compensa.
Tolos somos nós, os honestos, que pagamos impostos, que cumprimos limites de velocidade nas estradas porque sabemos estar a respeitar o próximo, que não sujamos as ruas com o lixo que nos pesa nos bolsos, que exigimos melhor saúde e educação, que olhamos com tristeza e muita inveja para países a sério, como a Finlândia, onde os alunos são inteligentes e motivados porque também têm professores bem pagos, com emprego estável e boas condições de trabalho. Onde as mães podem cuidar dos seus filhos com longas e tranquilas licenças de maternidade, onde os vêm dar os primeiros passos e dizer as primeiras palavras.
Aqui?
Aqui nem a educação é valorizada, nem a maternidade. Aqui despejamos os filhos em infantários ranhosos e caros, corremos para o emprego sempre com o coração nas mãos e quando regressamos à noite, já só queremos uma cama, sem tempo para os afectos.
Este é um país de merda.
Desde que o povo tenha novelas 24h por dia, futebol todas as noites e quintas das bestialidades recheadas de aventuras acéfalas, fica todo contente. E assim decorrem os dias placidamente no país das maravilhas!