domingo, 25 de setembro de 2005

O regresso da ira


Ando a tentar controlar-me há já muito tempo no sentido de não estar sempre a criticar aquilo que acho estar mal, mas já não aguento mais. E tenho mesmo de desembainhar a espada!
O regresso das férias dá-nos a ilusória sensação de que poderá ser desta que o país se endireita, que até podia estar mal porque andávamos todos muito cansados. Mas parece que não há férias que nos valham.
Mais uma campanha eleitoral, mais um chorrilho de demagogia, de beijinhos ao povo e de lavagem de roupa suja em público.
Políticos que se insultam publicamente, autarcas corruptas que aproveitam mais um furo na lei para regressarem ao país e que ainda são elogiadas pelos respectivos munícipes, agradecidos por terem sido roubados, candidatos à presidência que-o-são e-deixam-de-ser-e-depois-voltam, enfim, não há paciência! Se ainda existe alguém que acredita em promessas eleitorais ou nos políticos, das duas uma: ou é muito ingénuo ou ainda mais estúpido.
Mas nem só de política vive o Homem: de educação também enche o olho.
Vejo-me, enquanto profissional da educação (já não tenho coragem para me chamar "professora"..), no regresso às aulas, e por directrizes do ministério, obrigada a permanecer na escola durante pelo menos mais uma data de horas, sem qualquer função atribuída, só para cumprir horário. É o mesmo que cada trabalhador ter de estar no seu local de trabalho, sem nada para fazer, só para que se diga que afinal os "profs" também trabalham.
Para informação de muita gente, eu cumpro rigorosamente o meu horário, planifico CADA hora de aula, faço os meus materiais, corrijo os meus testes, os trabalhos de casa e as fichas de trabalho que entrego. Não tenho fins de semana porque os passo a trabalhar para a escola enquanto toda a gente que conheço em outras áreas fecham o escritório no final do expediente e só a ele regressam na segunda feira seguinte. Tenho ainda que aturar a falta de educação dos meus alunos, cada vez mais grosseiros e ignorantes, dos funcionários broncos que nem ler sabem em muitos dos casos, quando muito lavarem as mãos para me servirem um pão na cantina e a má educação e falta de profisionalismo dos meus próprios "colegas". Tenho de dar aulas em salas onde chove, trabalhar com computadores que não funcionam porque não há dinheiro para eles, usar luvas nas salas de aula porque o aquecimento é caro e levar almoço numa termos porque a comida das cantinas manda muitos para casa todas as semanas por intoxicações alimentares. Aliando a tudo isto, ganho tanto à hora como um trolha ou algumas empregadas domésticas (depois de ter investido 17 anos da minha vida a formar-me...), tenho de fazer 40km por dia para trabalhar, à minha custa (e nesse aspecto há muitos professores em muito piores condições porque até alojamento têm de pagar..), e ainda tenho de aturar a opinião pública que acha que sou uma malandra, que ganho muito e nada faço. Até o PR acha que os professores passam a vida a queixarem-se. E se ficar à espera de que os sindicatos na área da educação façam alguma coisa, desculpem o vernáculo, bem me "lixo".
Pois.
Corre o rumor que nem subsídio de natal receberei este ano. Tudo porque cometi o pecado de ser funcionária pública.
Pois uma coisa é certa: não investirei mais numa profissão que não investe em mim. Não investirei num país que não investe nos seus (a não ser que saibam dar uns pontapés na bola..). Não votarei em nenhum político. Não aceito ter uma reforma miserável por mais de três décadas de trabalho desgastante quando os políticos se reformam ao fim de meia dúzia de anos com milhares de euros.
Votarei porque é um dever (muitas pessoas sacrificaram-se para que a democracia prevalecesse e há que respeitar a sua memória) e porque é um direito que me assiste, mas declaro que o meu voto será, doravante, puro, imaculado e assumidamente BRANCO. Porque se há ainda algo a que tenho direito é a manifestar-me contra o que acho mal. Quando há greve, eu faço! Quando há eleições, eu voto! Quando me pisam os calos, eu falo! Até que o teclado me doa! Apre!