domingo, 27 de novembro de 2005

Mais um Natal..

Sim, mais um natal igual a tantos outros. São as leopoldinas que trazem felicidades às crianças, os jumbos com horário alargado, as decorações citadinas recauchutadas, o "a todos um bom natal", o "sozinho em casa-parte 15", a "música no coração" com a Julie Andrews aos 95 anos, a choradeira das mães, as birras dos filhos e sobrinhos, o "natal dos hospitais".
Eu não sou anti-natal. Mas ESTE tipo de natal enerva-me. Muito.
Confundem-me o discurso do "o que importa é a intenção", as prendas combinadas previamente porque não nos damos ao trabalho de nos conhecermos mutuamente, o serão em frente ao televisor a ver mais um especial de natal piroso com todos os pimbas vestidos de renas, os flashback dos natais da infância dos famosos, as promoções do "pague 1, leve 2", "leve agora e só comece a pagar no próximo ano", os catálogos de inutilidades caríssimas que insistem em atafulhar a minha caixa do correio, os postais estereotipados, os eternos "mr. Bean" da matiné de natal, os presépios com meninos Jesus nórdicos, as barbies, as playstations, os jete-sete engalanados na capa das revistas cor de rosa como famílias perfeitas e tementes a Deus!
Não poderia existir OUTRO tipo de natal?
Aquele natal em que apenas valesse a pena a companhia uns dos outros? Em que aproveitassemos para reflectir sobre o que andamos aqui a fazer? E pudessemos transmitir aos outros o quanto significam ? Dizermos aos nossos filhos que são tudo para nós? E aos nossos pais quanto os amamos porque se sacrificaram por nós? E aos nossos mentores, o quanto influenciaram a nossa vida?
Natais como os que vivemos actualmente não me dizem nada. São o reflexo de uma sociedade de consumo, de superficialidade, de hipocrisia. Reduzem-se a luzinhas intermitentes e a embrulhos de luxo que facilmente se apagam e amarrotam. Resta-me a consolação de pensar que, no meio dessa multidão desenfreada e aflita para arejar a carteira, há-de haver mais alguém que também sente nostalgia de um natal real. Por mim, quando os meus filhos forem crescidos, hei-de iniciar com eles uma nova era natalícia, aquela em que se dará mais importância aos afectos e ao respeito pelo outro do que pelo conteúdo das caixinhas coloridas.

quarta-feira, 16 de novembro de 2005

Tapa buracos

Fico espantada com a recente decisão governamental por parte do ministério da saúde de facultar o acesso gratuito à pílula do dia seguinte nos centros de saúde. E fico sobretudo espantada porque aquilo que, à primeira vista, parece ser uma medida sensata e liberal, acaba por ser uma grande hipocrisia e o reflexo da típica mentalidade tacanha deste país: tratar os efeitos e nunca as causas.
Diz-se às adolescentes e às mulheres adultas que podem recorrer às unidades de saúde para obterem a pílula do dia seguinte e elas ficam contentes, achando que finalmente ganharam uma batalha quando, na verdade, a perderam em toda a linha, vendo desrespeitado o seu direito à informação e ao desenvolvimento social. Porquê? Porque com esta medida arruma-se para canto a questão da educação sexual, essa sim, muito mais importante a todos os níveis.
Não sejamos puritanos! As mulheres têm o direito e o dever de praticarem contracepção se não desejarem ser mães. Qual Igreja Católica, qual Papa! O mundo está sobrepopulado, a miséria vive lado a lado com hordas de filhos, na sua grande maioria indesejados e depois largados nesta loucura, sem destino. Ninguém tem o direito de me dizer que devo ter filhos. Devo tê-los se os desejar e quando os desejar. A contracepção é um direito meu e também um dever porque se não desejo ser mãe, não devo ter filhos para depois os maltratar ou esquartejar.
Mas para eu saber usar contracepção tenho de estar informada. Essa informação deveria ser prestada pelo Estado, como um dever cívico. É certo que cada um de nós tem o dever de procurar informar-se àcerca de tudo que lhe diz respeito mas também sabemos que nem toda a gente está apta a fazê-lo. Daí a função pedagógica e profiláctica do Estado. E nada melhor do que a educação sexual. Onde? Se não em casa (porque muitos pais ainda acham que os respectivos filhos são assexuados ou demasiado novos para se lhes falar destas coisas..), pelo menos nas escolas, em idades pré-pubertárias e pubertárias.
Formem-se especialistas na área da saúde, dotem-se as escolas de espaços adequados e formem-se as novas gerações. Para que, sistematicamente, não veja alunas minhas a abandonarem os estudos porque a barriga e a vergonha crescem, ou então vê-las recorrerem a clínicas manhosas de fundo de quintal onde são violentadas física e psicologicamente para se verem livres de um feto que não desejam.
Mas não! Não porque o puritanismo, a tacanhez, a religião, o fundamentalismo moral, a demagogia o impedem. E assim é mais fácil disponibilizar pílulas do dia seguinte, sem compromissos, sem responsabilidades, sem esclarecimentos. Engravidaste? Não te preocupes, toma isto! Sida? Gonorreia? Clamídia? Herpes genital? Não importa! Conhecer o próprio corpo? Aprender a gerir afectos, a gerir a sexualidade? Não interessa, vamos apenas reduzir a percentagem de gravidezes indesejadas. Vamos tapar o buraco, esconder a ignorância das pessoas em vez de as esclarecer.
Não tenho nada contra a pílula do dia seguinte. Tenho contra a hipocrisia constante da sociedade em que vivo que prefere ver as mulheres desperdiçarem a sua saúde, a sua sexualidade e a sua dignidade a recorrerem a soluções improvisadas, quando podiam prevenir uma gravidez indesejada pelo recurso a um planeamento eficaz. Mais uma vez as mulheres são as vítimas da falta de uma política social de prevenção e de uma visão global do que deve ser a saúde pública.

segunda-feira, 7 de novembro de 2005

Pesada Herança

Quem educa uma criança pensa sempre que é capaz de lhe dar o que há de melhor: escolas, roupas, alimentação e, naturalmente, uma formação cheia de valores. Mas começo a achar que o pior que se pode dar a uma criança são precisamente escrúpulos!
Quando somos escrupulosos e responsáveis, procuramos sempre não só o melhor para nós como também para os outros. E aqui começa uma existência infernal.
Se estamos avariados na estrada, colocamos cuidadosamente o triângulo na via de modo a evitarmos acidentes e porque achamos que é correcto fazê-lo. E o que fazem os outros, que deveriam estar agradecidos pelo nosso cuidado? Roubam o triângulo e nós, os cuidadosos, acabamos por ter prejuízo e sairmos prejudicados.
Se acreditamos na não violência e ensinamos os nossos filhos a serem carinhosos com os seus coleguinhas de escola, o mais certo é que estes sejam comidos por lorpas e acabem por apanhar porrada porque não respondem à letra.
Se defendemos que uma vida deve ser construida com base no sentido de dignidade e de honra, acabamos pobres e mal pagos, enquanto outros sacanas enveredam pela política ou pela venda de estupefacientes, enriquecendo escandalosamente aos olhos de todos.
Se acreditamos que o bem comum deve ser construído com o sacrifício de todos, acabamos por sermos nós a sermos sacrificados, poupando e pagando ainda mais impostos, enquanto os mesmos bastardos que nos impingem políticas de contenção manipulam leis e cordelinhos para que a parte mais fraca pague o sacrifício: os honestos.
Olhamos para o planeta e sabemos, pela integridade e pelo respeito pela mãe-natureza que o devemos proteger, procuramos tecnologias e produtos ecológicos: papel reciclado, energia solar, veículos movidos a hidrogénio. E que fazem os que deviam incentivar esta prática? Vendem os produtos ecológicos a preços proibitivos. Quem fica a ganhar? Quem se está lixando, borrifando para tudo isto. Quem perde? Quem se preocupa e chora quando pensa que, se calhar, está errado porque mais ninguém quer saber, porque é difícil querer mudar o mundo, é difícil manter-se limpo no meio da sujidade, da corrupção, do desânimo aprendido.
Quando tiver os meus filhos terei de pensar muito se valerá a pena ensiná-los a serem cidadãos honestos, cívicos e ambientalmente correctos. Porque sei que essa boa formação acarretará um preço muito elevado: a sua frustração e a sua profunda infelicidade. Porque é assim que me sinto. A cada minuto que passa.