sexta-feira, 27 de maio de 2005

Para reflectir....

No passado dia 24 deste mês, o JN publicou um artigo deveras interessante segundo o qual, entre outras ideias, se faz referência ao facto de apenas no nosso país e na República Checa se defender que mulheres com filhos deveriam estar em casa e não no mercado de trabalho (58% dos inquiridos). Mais: 60% dos portugueses sujeitos a inquérito confessam-se "afastados da Europa", isto é, alheios ou discordantes dos chamados valores europeus. Ainda: enquanto a população europeia que apoia a legalização do aborto ronda os 62%, em Portugal a percentagem não vai além dos 51%, maioritariamente no sul do país. Curiosamente os homens parecem ser mais favoráveis à sua legalização do que as mulheres (56% contra 39%).
Quanto à aceitação da homossexualidade, só somos ultrapassados em preconceito pelos polacos (51% dos portugueses aceitam-na, contra 34% dos polacos).
64% dos europeus acham que a homossexualidade é um modo de vida perfeitamente aceitável.
Mais do que estar a debitar percentagens, até porque o estudo está redigido e é só consultá-lo, urge fazer uma reflexão sobre o PORQUÊ destes resultados.

Por que razões os homens são mais tolerantes quanto à legalização do aborto?
E porque é que no sul essa aceitação aumenta?
A homossexualidade continua a ser tabu neste país?
E, em pleno século XXI, ainda há quem considere que as mulheres foram talhadas para a maternidade e o marido deve trazer o pão para casa?

É fácil constatar o quão fechados estamos sobre nós mesmos em matéria de desenvolvimento. De um lado temos Espanha, do outro o Atlântico, logo não tivemos histórica e culturalmente grandes hipóteses de trocar ideias com outros povos, como a Alemanha, a Suíça ou a Bélgica. Por outro lado, o peso da tradição religiosa neste país sempre condicionou a abertura de horizontes a novas ideias, moldando-nos para determinadas práticas sociais, nem sempre as melhores para o combate à homofobia. Em simbiose com este peso excessivo da religião na vida das pessoas, a ditadura salazarista atrasou ainda mais o desenvolvimento económico, cultural e científico, bem como tantos governos constitucionais pós-revolução, em que os dinheiros públicos foram desbaratados em projectos megalómanos, que em nada contribuiram para a educação e a formação dos portugueses.

Comecemos pela questão da legalização do aborto.
Há uma posível explicação para os homens serem, contra as expectativas, mais favoráveis do que as mulheres. Estas últimas sofrem, desde tenra idade, uma socialização que as empurra para a maternidade: são as bonecas, os carrinhos, os nenucos, toda uma série de artefactos socialmente aceites que inculcam nas meninas o papel da maternidade em inofensivas brincadeiras. Por outro lado, o seu peso no estatuto da mulher é muito grande. Basta folhear as revistas cor de rosa e de fofoquice para verificarmos que mais de metade das pseudo-histórias que por lá pousam são sobre a tia-não-sei-das-quantas que relata como a maternidade mudou a sua vida; depois a modelo que confessa, numa pose natural que anseia por ser mãe; no rei ou príncipe que foi pai e está radiante... enfim, uma espécie de lavagem cerebral que inculca a ideia, nunca de forma inocente, de que casal que se preze tem de ter filhos. Mulher que não os tenha é "seca" (já ouvi várias vezes esta doce expressão).
Assim, há uma pressão social no sentido de se ser mãe e boa mãe, super-mãe.
Por outro lado, no sul pode haver menos resistência à legalização do aborto porque também há menos concentração de influência católica. No norte deste país, a igreja católica tem muito mais poder social, pelo que as mentalidades se inclinam para um maior conservadorismo nesse aspecto.
Claro que quanto à homossexualidade, nem vale a pena falar. Pensemos na quantidade de anedotas, piadas e brincadeiras sobre o tema que circulam e que contamos sem pensarmos duas vezes no conteúdo homofóbico que incluem!
Parece-me que nesse aspecto, e aqui especulo porque nada no estudo a isso faz referência, os homens são bem menos tolerantes. Talvez porque neste campo, sofrem muita pressão para expressarem a sua masculinidade. Emoções não fazem parte do quotidiano de um bom macho português.
Quanto à deliciosa ideia de as mulheres deverem ficar em casa para cuidar dos filhos, devo alertar para vários aspectos.
Primeiro, não há muitos rendimentos familiares que permitam tal luxo. Longe vai o tempo, em que eu e muitos da minha geração, estavam em casa com as mães, enquanto os pais iam trabalhar e chegavam a casa, com a mesa posta, os filhos lavados e o jornal sobre o sofá. Isso acabou porque, felizmente, as mulheres impuseram-se no mercado de trabalho como forças igualmente produtivas.
(Terá acabado mesmo? Mas então porque continuam muitas a ganhar menos por trabalho igualmente desempenhado? Hum..)
Segundo, ninguém pode sentir-se totalmente realizado sem uma profissão, sem uma carreira, onde haja algo mais que mudar fraldas e dar biberões. Há que sair de casa, ter horizontes, conhecer gente nova, ter ambições. E não me parece que possa ser incompatível com a maternidade. A não ser que este desejo masculino de ver as mulheres em casa se prenda com o não quererem partilhar tarefas domésticas. Hum...
Os portugueses continuam a ser demasiado conservadores e não prevejo grande abertura nos próximos tempos. Quando saímos dos grandes centros urbanos e viajamos uma dúzia de quilómetros para o interior, continuamos no Portugal de Rafael Bordalo Pinheiro, atrasado, tacanho e intolerante. E mesmo nos centros urbanos, por detrás dos shopings, dos óculos escuros, dos veículos de alta cilindrada e das roupas da mango e da zara, continuamos a ser uns labregos que pagamos a mais cara internet da Europa, temos a justiça mais lenta, a cultura menos frequentada, péssimos resultados educativos com alunos no secundário que não sabem ler nem escrever, com atitudes intolerantes para com quem é diferente porque aceitar a diferença implica esforço mental para a compreender e o português não sabe fazê-lo. Se geograficamente pertencemos à Europa, socialmente estamos a anos-luz do que por lá se passa, em matéria de educação, saúde, cultura, ciência, mentalidade.

2 comentários:

Anónimo disse...

tenho vergonha de fazer parte de um país tão atrasado... so posso dizer: leiam mais, esforcem-se mais, informem-se mais, reflictam mais, vejam menos programas parvos na tv, mas sim programas k vos esclareçam, tentem sempre saber o verdadeiro porque das coisas, exercitem a mente, façam-na funcionar, filosofem de tudo e de nada, um dia chegarão não à perfeição de alma, mas perto, porque o ser humano esclarecido e tolerante não pode ter muitos defeitos para se lhe pôr...

Anónimo disse...

Sobre mães que trabalham: é uma necessidade da economia familiar e da sociedade. Onde iríamos arranjar tanta gente para preencher os postos de trabalho necessários à economia? Onde teriam as famílias rendimentos para manter filhos com todos os requisitos de educação, higiene e saúde de hoje? E ainda por cima são mal pagas! A situação continua assim por se tratar de uma necesidade!!! Acho que não tem nada a ver com machismos. Os ismos servem sempre para camuflar interesses economicos. Porque dinheiro é poder, e é a vontade deste que faz o mundo girar...