segunda-feira, 7 de novembro de 2005

Pesada Herança

Quem educa uma criança pensa sempre que é capaz de lhe dar o que há de melhor: escolas, roupas, alimentação e, naturalmente, uma formação cheia de valores. Mas começo a achar que o pior que se pode dar a uma criança são precisamente escrúpulos!
Quando somos escrupulosos e responsáveis, procuramos sempre não só o melhor para nós como também para os outros. E aqui começa uma existência infernal.
Se estamos avariados na estrada, colocamos cuidadosamente o triângulo na via de modo a evitarmos acidentes e porque achamos que é correcto fazê-lo. E o que fazem os outros, que deveriam estar agradecidos pelo nosso cuidado? Roubam o triângulo e nós, os cuidadosos, acabamos por ter prejuízo e sairmos prejudicados.
Se acreditamos na não violência e ensinamos os nossos filhos a serem carinhosos com os seus coleguinhas de escola, o mais certo é que estes sejam comidos por lorpas e acabem por apanhar porrada porque não respondem à letra.
Se defendemos que uma vida deve ser construida com base no sentido de dignidade e de honra, acabamos pobres e mal pagos, enquanto outros sacanas enveredam pela política ou pela venda de estupefacientes, enriquecendo escandalosamente aos olhos de todos.
Se acreditamos que o bem comum deve ser construído com o sacrifício de todos, acabamos por sermos nós a sermos sacrificados, poupando e pagando ainda mais impostos, enquanto os mesmos bastardos que nos impingem políticas de contenção manipulam leis e cordelinhos para que a parte mais fraca pague o sacrifício: os honestos.
Olhamos para o planeta e sabemos, pela integridade e pelo respeito pela mãe-natureza que o devemos proteger, procuramos tecnologias e produtos ecológicos: papel reciclado, energia solar, veículos movidos a hidrogénio. E que fazem os que deviam incentivar esta prática? Vendem os produtos ecológicos a preços proibitivos. Quem fica a ganhar? Quem se está lixando, borrifando para tudo isto. Quem perde? Quem se preocupa e chora quando pensa que, se calhar, está errado porque mais ninguém quer saber, porque é difícil querer mudar o mundo, é difícil manter-se limpo no meio da sujidade, da corrupção, do desânimo aprendido.
Quando tiver os meus filhos terei de pensar muito se valerá a pena ensiná-los a serem cidadãos honestos, cívicos e ambientalmente correctos. Porque sei que essa boa formação acarretará um preço muito elevado: a sua frustração e a sua profunda infelicidade. Porque é assim que me sinto. A cada minuto que passa.

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