quarta-feira, 16 de novembro de 2005

Tapa buracos

Fico espantada com a recente decisão governamental por parte do ministério da saúde de facultar o acesso gratuito à pílula do dia seguinte nos centros de saúde. E fico sobretudo espantada porque aquilo que, à primeira vista, parece ser uma medida sensata e liberal, acaba por ser uma grande hipocrisia e o reflexo da típica mentalidade tacanha deste país: tratar os efeitos e nunca as causas.
Diz-se às adolescentes e às mulheres adultas que podem recorrer às unidades de saúde para obterem a pílula do dia seguinte e elas ficam contentes, achando que finalmente ganharam uma batalha quando, na verdade, a perderam em toda a linha, vendo desrespeitado o seu direito à informação e ao desenvolvimento social. Porquê? Porque com esta medida arruma-se para canto a questão da educação sexual, essa sim, muito mais importante a todos os níveis.
Não sejamos puritanos! As mulheres têm o direito e o dever de praticarem contracepção se não desejarem ser mães. Qual Igreja Católica, qual Papa! O mundo está sobrepopulado, a miséria vive lado a lado com hordas de filhos, na sua grande maioria indesejados e depois largados nesta loucura, sem destino. Ninguém tem o direito de me dizer que devo ter filhos. Devo tê-los se os desejar e quando os desejar. A contracepção é um direito meu e também um dever porque se não desejo ser mãe, não devo ter filhos para depois os maltratar ou esquartejar.
Mas para eu saber usar contracepção tenho de estar informada. Essa informação deveria ser prestada pelo Estado, como um dever cívico. É certo que cada um de nós tem o dever de procurar informar-se àcerca de tudo que lhe diz respeito mas também sabemos que nem toda a gente está apta a fazê-lo. Daí a função pedagógica e profiláctica do Estado. E nada melhor do que a educação sexual. Onde? Se não em casa (porque muitos pais ainda acham que os respectivos filhos são assexuados ou demasiado novos para se lhes falar destas coisas..), pelo menos nas escolas, em idades pré-pubertárias e pubertárias.
Formem-se especialistas na área da saúde, dotem-se as escolas de espaços adequados e formem-se as novas gerações. Para que, sistematicamente, não veja alunas minhas a abandonarem os estudos porque a barriga e a vergonha crescem, ou então vê-las recorrerem a clínicas manhosas de fundo de quintal onde são violentadas física e psicologicamente para se verem livres de um feto que não desejam.
Mas não! Não porque o puritanismo, a tacanhez, a religião, o fundamentalismo moral, a demagogia o impedem. E assim é mais fácil disponibilizar pílulas do dia seguinte, sem compromissos, sem responsabilidades, sem esclarecimentos. Engravidaste? Não te preocupes, toma isto! Sida? Gonorreia? Clamídia? Herpes genital? Não importa! Conhecer o próprio corpo? Aprender a gerir afectos, a gerir a sexualidade? Não interessa, vamos apenas reduzir a percentagem de gravidezes indesejadas. Vamos tapar o buraco, esconder a ignorância das pessoas em vez de as esclarecer.
Não tenho nada contra a pílula do dia seguinte. Tenho contra a hipocrisia constante da sociedade em que vivo que prefere ver as mulheres desperdiçarem a sua saúde, a sua sexualidade e a sua dignidade a recorrerem a soluções improvisadas, quando podiam prevenir uma gravidez indesejada pelo recurso a um planeamento eficaz. Mais uma vez as mulheres são as vítimas da falta de uma política social de prevenção e de uma visão global do que deve ser a saúde pública.

2 comentários:

Anónimo disse...

oi stora...
kada x mais adoru u seu blog...A minha admiração por si cresce a cada post k a stora deixa. bxuh gand

Rui Areal disse...

A hipocrisia de que falas é fruto de um «imaginário social» incompreensível: a crescente admissibilidade do aborto como acção éticamente aceitável. Incompreensível porque a IGV é um eufemismo para a aniquiliação de um ser vivo da espécie humana. Longe de moralismos religiosos, fascistas, bloquistas e outros é preciso dizer com clareza: é inaceitável admitir o aborto como método contraceptivo.
Não compreendo a inexistência, por exemplo, de um lobbie (bloquista por exemplo) a favor da legalização da prostituição. Essa actividade (sobre a qual também existe um «imaginário social») continuará ilegal num país que em 2006 irá legalizar a aniquilação de seres vivos na espécie humana ainda no ventre da progenitora.